Lisboa - Frente Cívica endereçou
carta à PGR portuguesa a pedir a reabertura do inquérito ao ex-vice-Presidente
de Angola suspeito de corrupção ativa. Jurista adverte que será preciso um novo
processo para julgar Manuel Vicente.
A Justiça portuguesa já deu como
provado que o ex-procurador Orlando Figueira foi corrompido para arquivar
processos judiciais que visavam Manuel Vicente. João Paulo Batalha,
vice-presidente da organização não-governamental anticorrupção Frente Cívica,
diz que o ex-vice-Presidente de Angola não é inocente neste processo.
"Se essa corrupção está
demonstrada é porque, de facto, há mérito nos processos que estavam a ser
investigados e as acusações que ficaram por fazer a Manuel Vicente nesse
processo de branqueamento de capitais são quase de certeza verdade", disse
Orlando Figueira foi condenado,
em 2018, a pena de prisão de seis anos e oito meses no âmbito da "Operação
Fizz", mas o processo de Manuel Vicente foi enviado para julgamento em
Angola.
Segundo João Paulo Batalha,
consultor em políticas anticorrupção, "a condenação de Orlando Figueira em
Portugal é em si um fundamento urgente para reabrir esses processos e voltar a
investigar Manuel Vicente”.
"O que a Justiça portuguesa
vai demonstrando, a par com a política portuguesa, é que continua a haver uma
regra não escrita de não afrontar o poder angolano", comenta ainda.
Corruptor à solta
Em maio, o Supremo Tribunal de
Justiça rejeitou o recurso apresentado pela defesa de Orlando Figueira. É com
base nestes argumentos que a Frente Cívica escreveu uma carta à
Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, a pedir a reabertura do inquérito
por branqueamento de capitais visando o ex-vice-Presidente de Angola,
"nomeadamente com a compra de imobiliário de luxo em Cascais, por perto de
4 milhões de euros".
a missiva, a ONG portuguesa
sustenta que "o corrompido está condenado, mas o corruptor tem nome: é
Manuel Vicente".
O antigo governante tinha
imunidade como deputado, tendo beneficiado da lei de Amnistia aprovada por
Angola, e, segundo João Paulo Batalha, continua a ser protegido pelo atual
Presidente angolano.
A Transparência Internacional
Portugal opôs-se à decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de entregar o
processo de Manuel Vicente às autoridades angolanas.
De acordo com Karina Carvalho,
diretora executiva da organização não-governamental, "tal constituiria, na
prática, uma obstrução à Justiça, não só porque à época o ex-vice-Presidente de
Angola gozava de imunidade, mas igualmente porque nunca deixou de ser uma
figura central do regime liderado pelo MPLA", partido no poder em Angola.
"Portanto, as expetativas de que fosse condenado em Angola pelos crimes de
que foi acusado em Portugal seriam nulas".
Rui Verde, jurista português que
acompanha estes dossiers, lembra que Lisboa renunciou ao direito de proceder
contra Manuel Vicente ao aceitar remeter o seu processo para Angola. Como tal,
não será possível reabrir o processo.
"Em Portugal, não pode haver
uma reabertura de processo relativamente a Manuel Vicente naquilo que diz
respeito aos factos concretos da corrupção do procurador Orlando Figueira”,
explica.
O analista esclarece que "só
se pode conceber a reabertura do processo se as autoridades portuguesas
entenderem que Angola está a violar o acordo [judicial] internacional".
Caso Manuel Vicente: "Não
pode haver uma reabertura do processo"
Novo processo?
Apesar disso, refere o jurista, qualquer outro assunto relacionado com a investigação a Manuel Vicente, no que toca a movimento de capitais e compra de prédios em Portugal, pode ser aberto e levado adiante. Manuel Vicente perdeu a imunidade como deputado e já não é protegido pela Constituição como ex-vice-Presidente da República de Angola.
"Portugal poderá avançar com
outro tipo de processo relativamente ao antigo vice-Presidente angolano. O que
não pode neste momento é chamar o processo angolano, digamos assim, de volta a
Portugal", conclui.