Analistas
concordam que a criação de uma comissão de verdade, tal como defende a UNITA,
pode ser um meio para a afirmação de um verdadeiro processo de reconciliação
nacional em Angola.
Volvidos
vinte anos sobre a guerra civil, a questão da reconciliação nacional continua a
dividir opiniões em Angola. Os "fantasmas da guerra" são tema
constante em debates entre as duas maiores forças políticas, o Movimento
Popular de Libertação de Angola (MPLA), no poder, e a União Nacional para a
Independência Total de Angola (UNITA), o maior partido da oposição.
O
assunto voltou à ribalta nos últimos dias, após a Comissão para a Implementação
do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos
(CIVICOP) ter publicitado as valas comuns onde localizou restos mortais de
antigos dirigentes da UNITA, mortos, alegadamente, por ordem do então líder da
união, Jonas Savimbi.
O atual
dirigente do partido do "Galo Negro", Adalberto Costa Júnior,
insurgiu-se contra a comissão e defendeu a criação de uma comissão de verdade e
reconciliação nacional.
"Importa
ouvir as vítimas"
Jovete
de Sousa, membro do Comité Central da Frente Nacional para a Libertação de
Angola (FNLA), na oposição, considera que já passou o momento de discutir quem
perdeu o conflito armado protagonizado pelo MPLA e a UNITA.
Em declarações
à DW África, o político do partido fundado por Holden Roberto defende um órgão
que trate do processo de reconciliação sem paixões políticas.
"Dos
dois lados houve atrocidades", diz de Sousa, salientando que o que importa
agora é ouvir as vítimas. "Alguns relatos tristes devem ser trazidos à
tona para se esclarecer, para se pôr fim ao sentimento de rancor e de mágoa que
muitos guardam uns contra os outros".
Avançar
com cautela
Jovete
de Sousa afirma que o seu partido considera ser "necessário que se crie
uma comissão de verdade, porque não faz mal a ninguém. Não vai trazer fantasmas
do passado, pelo contrário, vai pacificar as almas".
O
historiador Fernando Sakuayela afirma que o processo de reconciliação em Angola
não está encerrado. O processo histórico "é bastante difícil" e
"a digestão deve ser feita com bastante cautela", avisa.
O
também ativista mostra-se cético quanto à possibilidade de o poder político
angolano vir a aceitar a proposta da oposição: "A UNITA, ao propor uma
comissão de verdade ao estilo sul-africano, está a propor um ato bastante
ousado, mas é uma ideia que pode não ser abraçada".
Angola
carece de uma reconciliação que "valorize todos", defende Sakuayela,
que acusa o MPLA e a UNITA de monopolizar o processo desde os acordos de Luena,
em 2002.
"Não
podem monopolizar o processo de reconciliação. Temos um povo que, ao longo
deste processo histórico, foi marginalizado. Precisávamos, dentro do processo
de reconciliação nacional, de encontrar o mecanismo de conciliação entre os
angolanos, na medida em que vivemos uma guerra civil que é, no nosso entender,
consequência do conflito interno angolano", explica.
Governo
ainda não se pronunciou
Aniceto Cunha, militante do MPLA,
disse à Rádio Despertar que descarta a proposta de criar uma comissão de
verdade. "Não sei porque é que a UNITA tem alguma vergonha de encarar com
a naturalidade que se impõe os acontecimentos nas áreas geográficas onde teve a
sua responsabilidade. Aliás, o livro 'Purga em Angola' chama atenção também aos
líderes da oposição que realizaram os seus pequenos 27 de maio", disse,
numa alusão ao massacre de 1977, resultante da luta interna pelo poder no MPLA.
A UNITA ameaçou recentemente
abandonar a CIVICOP, que considera estar a ser instrumentalizada pelos serviços
secretos. Para Cunha, a ameaça é uma tentativa de chantagem. "A questão
que se coloca também é: porque é que a UNITA não sai das organizações onde recebe
dinheiro, onde tem benefícios diretos, como a Comissão Nacional Eleitoral (CNE)
e a Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERCA), os tribunais e o
Parlamento? Pergunto ao presidente Adalberto Costa Júnior até quando é que a
UNITA vai continuar a fazer chantagens com estes elementos", critica.
O Governo em Luanda ainda não
reagiu oficialmente à ideia levantada pelo principal partido da oposição.